"Um conhecido que residiu por algum tempo nos Estados Unidos e retornou ao Japão contou-me que o maior problema que ele teve naquele país foi com a saúde. É sabido que os Estados Unidos não são terra insalubre. Há muitas regiões cujo ar e temperatura são mais agradáveis que os do Japão. Mesmo em Los Angeles e Nova York, não faz tanto calor, e acho até que metrópoles japonesas têm ar mais poluído que aquelas cidades.
Mas, segundo a experiência daquela pessoa, quando adoece, o tratamento aplicado pelo médico americano não é adequado ao organismo de um japonês. Acho que são receitados remédios em dosagem apropriada aos americanos, mas exagerada para um japonês, além de muito fortes. Sentiu que metade seria suficiente, mas não quis jogá-los fora, desperdiçando remédios. Afirmou que se sente melhor tratando-se com médico japonês.
Todas as nações têm qualidades e defeitos. É desejável que as qualidades sejam ampliadas, e os defeitos corrigidos. Desde tempos antigos, o espírito dos ocidentais tem sido analítico. Científico, em outras palavras. Seu estudo é mais voltado para o lado de dividir, decompor, e, por outro lado, em se tratando de estudo de seres, coisas e fatos na sua totalidade, os orientais são mais desenvolvidos. Diante da postura científica dos ocidentais, os orientais são mais afeitos à metafísica.
Portanto, mesmo na Medicina, o estilo japonês não era do tipo em que os especialistas analisam cada parte do corpo, separadamente. Mas, hoje, fazem uso de grande quantidade de aparelhos. A cabeça é examinada por um especialista da cabeça, o sistema respiratório é examinado por um especialista na área, o mesmo acontecendo com o sistemqa digestivo etc., tudo de forma especializada. Jogam os exames no computador e tentam chegar a uma conclusão; mas ajuntamento de partes não é, de forma alguma, o todo.
Hoje, a Medicina japonesa em muitos grandes hospitais, tornou-se bastante especializada. Desenvolveu extraordinariamente a área de diagnósticos, mas, quanto ao tratamento da doença - que no final depende muito da mente, e guarda relação com o modo de ver a vida, o modo de ver o mundo - pelo que vejo, a Medicina não chega a este ponto.
Quando a pessoa pensa 'Quero viver, que alegria, obrigado' e quando pensa 'Quero morrer, que aborrecimento, que ódio", ocorre grande diferença fisiológica. É essa diferença que se torna a chave que determina se manifesta-se ou não a força que cura, mas, pelos exames por partes, por especialistas, não é possível detectá-la. Assim sendo, não se tornam dados do computador.
Daí a necessidade não só de remédios ou habilidade na cirurgia, mas também de seres humanos virtuosos, que tenham mente alegre, assim como de tratamentos e cuidados com amor, que não sejam maquinais, padronizados. No Japão, ainda há muitos lugares com esse tipo de calor humano, sensibilidade. Se, por acaso, desaparecer tudo isso, a Terra tornar-se-á um lugar tão sem graça quanto a superfície lunar.
É preciso, principalmente, que surjam mais indivíduos que considerem o ser humano como um todo, internamente. São esses seres verdadeiramente eruditos , que podem ser chamados de grandes sábios. Tais sábios olham para o ser humano eterno e indestrutível, que transcende a vida e a morte. Quando tocadas pelo coração destas personalidades, muitas pessoas vão sendo curadas fisica e espiritualmente."
Belo trecho este. Gostei. E me fez lembrar de um koan (questão para meditação, de origem budista) que o Mestre fala em alguns livros, mas que, de memória, me recordo de constar em Imagem Verdadeira e Fenômeno, e que se chama o Carro de Keichu, se não me engano.
É mais ou menos o seguinte: algum cidadão teve a ideia brilhante de desmontar um carro inteirinho, até a menor peça, para depois se perguntar (ou perguntar aos outros) onde estava o carro? Ora bolas, o carro estava no conjunto, e não nas peças individuais.
Tal raciocínio tem várias implicações. Vejamos algumas:
1. O ser humano não é apenas a mistura bem sucedida de carbono e água, regulado por uma massa gelatinosa de um quilo e meio e bombeado por um músculo de uns 250 gramas. Não se subdivide em partes, e sim, no seu todo;
2. Paralelamente a isto, um ser humano, apesar de individual, não é único. Raciocínio mais difícil de se aceitar, partindo do ponto de vista ocidental, que, como diz o professor Seicho, é analítico, específico. Somos todos parte de um todo maior chamado humanidade. O primeiro capítulo do volume 7 da Verdade, que estou lendo agora, por sinal, apresenta semelhante raciocínio.
3. A terceira e última implicação que faço nesta questão é o seguinte: há um filósofo ou sociólogo famoso no século passado, Durkheim se não me engano, ou Hauriou (seja lá quem for destes dois, trata-se de sociólogo mesmo) que criou a Teoria das Personalidades. Explico: todos nós, durante nossa vida e em determinadas situações, assumimos determinadas e específicas personalidades, meio que obscurecendo nossa verdadeira personalidade. Explico: eu acordo e saúdo minha mãe. Para ela, eu sou o Filho. Saio para o trabalho e encontro conhecidos. Para estes conhecidos sou o Amigo, ou, simplesmente, o Conhecido. Chego no trabalho e encontro meu chefe. Para ele, eu sou o Empregado. Saio do trabalho e me encontro com minha augusta noiva. Para ela, eu sou o Noivo. Depois, volto para a casa e me encontro com minha mãe, e volto a ser o Filho.
Sacaram? O Filho não tem a mesma personalidade do Amigo, que por sua vez age diferentemente do Empregado, que por sua vez nada tem a ver com o Noivo. Assumimos diversas personalidades (adaptações) perante o meio ambiente, mas somos sempre o mesmo. Sempre o mesmo Ser Humano.
Assim, é em busca desta unicidade como Ser Humano, que serve o texto de hoje. A visão do sábio não é a visão que pretende ver o ser humano como um amontoado de carne, uma partícula na multidão ou uma diferente personalidade no mundo: é tudo isso junto, formando esse belo exemplar da criação chamado Homem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário